10.12.07

cartograma#103 - baudelaire

"Vocês sabem que eu não me divirto nada lá em casa; nunca me levam ao espetáculo; meu tutor é avarento demais; Deus não liga para mim e para o meu tédio, e não tenho uma empregada bonita para me mimar. Muitas vezes me pareceu que meu prazer seria andar sempre em frente, sem saber para onde, sem que ninguém se preocupasse, e ver sempre novas terras. Nunca estou bem em lugar nenhum, e sempre acho que estaria melhor onde não estou. Pois bem! Eu vi, na última feira da vila vizinha, três homens que vivem como eu gostaria de viver. Quanto a vocês, não prestaram atenção neles. Eram altos, quase negros e muito altivos, mesmo que em andrajos, com jeito de não precisarem de ninguém. Seus grandes olhos escuros tornaram-se absolutamente brilhantes enquanto tocavam música; uma música tão surpreendente que dá vontade ora de dançar, ora de chorar, ou as duas coisas ao mesmo tempo, e enlouqueceríamos se os escutássemos por muito tempo. Um deles, arrastando o arco do violino, parecia contar uma aflição; e o outro, fazendo saltitar seu martelinho nas cordas de um pequeno piano pendurado em seu pescoço com uma correia, parecia zombar do lamento do seu companheiro, enquanto o terceiro batia de quando em vez seus címbalos com uma violência extraordinária. Estavam tão satisfeitos consigo mesmos que continuaram tocando sua música de selvagens mesmo depois que a multidão se dispersou. Enfim, juntaram seus tostões, tomaram sua bagagem nas costas e foram embora. Eu, querendo saber onde moravam, os segui de longe, até a beira da floresta, onde só então entendi que não moravam em lugar nenhum."

Trecho de "As Vocações", em Pequenos Poemas em Prosa, Ed. Hedra, p.179.