"quadro ou mapa em que se representa graficamente, por meio de linhas e figuras, a ocorrência quantitativa ou a intensidade de diversos fenômenos."
6.10.07
cartograma#97 - cláudio paiva
não confio na oposição,
não confio na política,
não confio na polícia,
não confio na igreja,
não confio na imprensa,
nem na minha mãe eu confio.
uma mulher que teve um filho como eu não merece confiança.
cartograma#96 - coleção de frases sobre fumar
- Fumar é, antes de tudo, fazer mal a si mesmo e aos mais próximos.
2. “O mundo é o meu cinzeiro”
- “Das 20 pessoas mais velhas dos EUA, 14 ainda fumam ou fumaram por mais de 50 anos.”
3. Fumar é a manifestação derradeira individualidade auto-sacrificada.
É a escravidão libertária.
A solidariedade dos fumantes é resignada e contemplativa.
A solidariedade dos fumantes masca em tragadas
Agentes cancerígenos vestidos de branco bailando no espaço
Engravidam o ar de morte.
1. Através do ato mecânico de fumar, parodiamos a mecanização dos
gestos da vida.
3. Fumar é uma dança repetitiva solitária.
A masturbação também.
Lavar a louça também
Paulinho da viola concerta relógios e compôs a dança da solidão.
- A vida nos parece bem pior sem os anúncios de cigarro.
- Fumar é uma gagueira zen:
- numa carteira
- vinte avisos de que a morte vem.
- Antes das Américas, não havia tabaco. Os Nativos das Américas nos deixaram como herança, como presente de agradecimento aos europeus e descendentes, o cultivo do tabaco.
Os povos americanos nos civilizaram postumamente, portanto.
Antes do verbo emprestado do francês, “fumer”, usava-se a expressão“Beber fumaça”.
extraído de http://foimaus.wordpress.com/
- blog de maurício o. krebs.
cartograma#93 - 9 temas (ou) tema de casa
1. introdução: para uma política do presente – para produzir no presente, construir nossos territórios de discernimento no presente; saber de suas condições de uso, de suas regras, de suas distribuições de espaço, tempo, grana, sarro; saber das suas distribuições de afeto e pensamento; saber da economia dos corpos. para produzir a anarquia no presente, saber também das suas esfinges. o primeiro eixo temático trata de uma introdução ao tema do anarquismo no presente, bem como de uma análise da geopolítica contemporânea, focando principalmente os aparelhos de captura do capital globalizado, suas ligações com a função-Estado e as novas formas de produção econômica.
2. para uma estória do movimento anarquista – contribuições dos clássicos à anarquia no presente, assim como análise das condições de emergência de um movimento anarquista na história. acertos e erros à luz da atualidade; ecos aos que triunfaram, flores aos que falharam. entre os cânones e os marginais, o trajeto destas idéias oblíquas que apontam estória geral das anarquias.
3. zonas autônomas temporárias: políticas da deserção – opor a deserção ao engajamento; ou, pelo menos, propor a deserção como engajamento específico. esvaziar os espaços do Poder, trazendo ao cotidiano a questão da autonomia temporária em quaisquer dos âmbitos onde possa ser exercida. a revolta e o levante substituem a revolução como horizonte sem foco. a iminência parda de Hakim Bey apresenta novas modalidades para o tráfico libertário de informações e afetos, pirataria política.
4. terrorismo poético e outros crimes exemplares: fábulas e situações – ainda Hakim Bey, ecoando as derivas e psicogeografias situacionistas, apresenta novas modalidades de intervenção contra a mesmice da existência. nos manifestos e panfletos de seu anarquismo ontológico, o fabuloso mundo das disciplinas e da moralidade sã, seja ela de direita ou de esquerda, é motivo de escárnio e riso; o cotidiano rotineiro será sua vítima.
5. materialismo hedonista: políticas do prazer – o uso do corpo e dos sentidos, principal ferramenta na revolução do hedonista. se Michel Serres nos mostra a importância da pele, o mais profundo de nós mesmos, Michel Onfray a desdobra em ferramenta libertária quando revela uma instigante galeria hedonista margeando a história oficial da filosofia. nesta galeria, saber, poder e prazer não podem ser entendidos separadamente.
6. anarquismo somático: políticas da paixão – dentre os poucos que conseguiram a façanha da expulsão tanto da sociedade psicanalítica quanto do partido comunista, Reich aparece como um pensador libertário. atualizado por Roberto Freire, em cruzamentos com a psicologia da gestalt, a antipsiquiatria e a capoeira angola, as idéias reichianas apontam para uma anarquia ligada às energias vitais que percorrem cada corpo singular em seu presente, trazendo o amor e o orgasmo como principais dinamizadores políticos.
7. escultura de si: políticas do corpo – tomar o cuidado de si como escultura de si, produção de um corpo preocupado não somente com a funcionalidade da carne, mas também com a existência como o encadear de instantes sublimes. Michel Onfray retoma a figura do Condottiere para falar da moral estética, da existência como obra de arte que transfigura a vida em cada instante com suas provas de abundância e seus desejos de eternidade.
8. o único e sua propriedade: políticas da solidão – contra as massas e seu caráter unificador, Max Stirner elegeu o único, solitário em sua potência, radical em seus princípios. considerado precursor do pensamento de Nietzsche, a quem acusam de tê-lo plagiado, Stirner é um anarco-individualista que leva ao extremo a alternativa filosófica do egoísmo. autor de um único livro arrasado por Marx em 300 de suas páginas, Stirner foi relegado à margem da história. não existem fotos suas; anarquia explosiva de um infame.
9. celebração do gás lacrimogênio: desobediências e rebeldias – a lei, o direito, os direitos, todo o sistema burocrático e parasita, seus aparatos materiais e ideológicos; a grana, o a-mais, a extorsão sempre renovada na avidez da burguesia; tudo aquilo cujo principal objetivo sempre será tanto a eficácia produtiva quanto a docilidade política. desobedecer, rebelar, romper os limites do agradável; o uso da agressividade e da violência dentro do sistema.
cartograma#92 - manifesto solícito
Manifesto solícito: Anarquize!
Acumulamos anos de aprendizado com o capitalismo burguês e com o comunismo burocrático; erguemos grandes edifícios pela sua contra-indicação. Os novos ventos de uma terceira via transversal anunciam a pior das fusões: momento onde finalmente as duas faces da grande-política do último século viram uma só estátua na constância do Poder. A militância virou ato de redundância; a crítica está abarrotada. O último fracasso da esquerda brasileira terá sido a eleição do palhaço Peri, aquele que articulava nossas esperanças de transe e riso desde 82. Pergunta-se: quê fazer da resistência? Contra aquela espécie de maçonaria capitalista, mas também contra a tristeza militante, é preciso reinventar no cotidiano a prática dissidente, uma nova postura; novas formas de re-existir. Re-conhecer a potência libertária de nossos atos para então re-fundar, senão nossa mística de esquerda, pelo menos outras formas de resistência sinistra, de potência canhota. Re-articular nosso corpo para re-fazer o cotidiano através dos bandos e coletivos.
Além da vertigem capitalista e da tristeza militante, seus horizontes sem foco, é necessária nossa anarquia como problema prático, política do cotidiano, tracejado à liberdade e ao prazer de viver uma existência em sua originalidade, articulando liberdade pessoal e alteridade numa atitude presente. Acompanhando o que manifestam alguns de nossos atuais cúmplices, ali onde revelam a possibilidade de evocarmos a vida em cada um dos seus instantes, podemos furtá-los. Mesmo que sempre seja ocasião para rever os clássicos, será preciso acompanhar os cúmplices do presente, articular os corpos vivos para uma anarquia presente que articule sensibilidade, pensamento e prática.
Hoje em dia, entre as alegrias do marketing e a licenciosidade da mídia, através de êxtases e espasmos sofridos com os leves choques telemáticos e cibernéticos dos suportes pós-industriais, desliza então nossa atenção para a estupidez da vida, principal produto burguês. No shopping center burguês, entre as promoções de identidades e de seus suportes correspondentes, num movimento às vezes controlado e estudado, outras tantas frenético e desavisado, vamos acoplando e encaixando a força do desejo como força a serviço do próprio sistema, compondo a grande Máquina e traficando senhas e cifras sob o guarda-chuva das grandes redes. Nosso prêmio será um tostão no juízo final, e diploma de bem comportado; viveremos a vida mais ordinária possível.
No caráter bem comportado está ligada nossa idéia de boa educação, aquilo pelo quê perdemos a vida; é nossa marola bem sucedida, nossos talheres bem dispostos, intervenções cirúrgicas, jaquetas metálicas e estofados sintéticos, nosso cotidiano ciborgue: estranha forma de gostar da vida como instância da imagem e do dinheiro, lubrificada pelo néctar azedo servido por atendentes mestiços, mistura de sangue, suor e coquetéis híbridos. O bem comportado é aquele que congrega na grande roda da fortuna, mantém seus ritos e disposições, neste conjunto ele percebe e apresenta a única iniciativa inclusiva: tudo tende à Máquina.
Resistir: re-existir.
cartograma#90 - cartografar
Contra o anacronismo dos métodos, o rigor da criação: o rigor de uma abertura nos limites do pleno, mas sem ultrapassá-los, isso porque é necessário amanhecer um pouco si mesmo para então voltar ao presente a sentir a preguiça ou a vertigem de porvir. Teu pensamento é movimento, tua escrita é como uma tatuagem que redesenhas constantemente, que recobre todo teu corpo, dentro e fora, e verte pelo mundo. Tatuagem do homem no mundo, tatuagem do mundo no homem. Conjunto de traços que redesenha teu instante desde um âmago intenso até o final das cadeias extensivas e vice-versa, traços que recobrem e ligam célula a um horizonte de proximidades e distâncias, que prolifera entre tudo o que percorre estes limiares na passagem de um tempo nada convencional. A cada manhã, mal te conheces, espelho de difrações. Acorda! Cartografa: o mais profundo é a pele, mas ela não te pertence mais. Explora na alegria de uma nova manhã outro tanto de uma possível biografia para, ao grande de sol de meio-dia, redigir outro parágrafo da tua autobiografia. Um bloco, diagramas, cartogramas: como aforismos, condensam a riqueza de um instante fugidio; ficam ou passam, mistérios da impermanência. Redigir sua autobiografia não é questão de celebridade: é saber-se entre singulares esquinas, onde aqui faz sol e ali chove, onde um calor mediterrâneo encontra-se com ventos subtropicais. Tuas esquinas, ali onde somente tu poderás contar tuas próprias histórias, cada uma delas como primeira e derradeira. Escrever sobre um estado atual, sobre o si e o mundo em seus limiares de encontro, escrever recriando-os; inventar preciosidades e ecoar virtudes, jogar coisas fora e até praguejar. Como quem recolhe regalos ao longo de um caminho e que, por ter os bolsos sempre cheios à meia-caminhada, vai se desfazendo daquelas formas que a memória já ousa esquecer, marcas que não arroubam para além daquele passo, que não sobreviverão ao intempestivo de outro encontro. Cartografar é encontrar a meio-caminho. A cartografia não tem método, é um caminho ao andar. Não há método, somente uma longa preparação: vira esta página, dobra esta esquina.
cartograma#89 - fragmento, 2004.
No que diz respeito a uma problematização acerca do corpo como objeto de estudo, encontramos Gilles Deleuze e Félix Guattari (s.d., 1996) e seu corpo sem orgãos, interação maquínica e produtiva agenciada em determinado platô da história, segundo suas condições intensivas e políticas. Corpo sem órgãos como suporte de uma estratégia de corporificação que busca produzir modos de vida possíveis desde a condição desejante até a existencialização de territórios; interação de carne, afeto e língua formulada segundo as afecções e matérias de expressão encontradas em determinado plano de consistência.
Michel Foucault, formulando a idéia de sociedades disciplinares e de biopoder para forjar uma explicação sobre o desenvolvimento do modo de vida moderno, também operou este objeto como o de sua eleição, desenvolvendo uma genealogia do corpo e da população. Especialmente em Vigiar e Punir (2002b) e Em Defesa da Sociedade (2002a), Foucault apresenta o entendimento sobre a modulação dos corpos como ecologia produtiva. Na disciplina, evidencia a composição e a colocação destes corpos dentro de regimes de espaço, tempo, ritmo e cadência que buscavam tanto sua docilidade política quanto sua eficiência produtiva como substrato para o funcionamento do sistema social. Adiante, nos conceitos de biopoder e de governamentalidade, evidencia a formulação de estratégias voltadas para o coletivo dos corpos – as populações –, estratégias essas que produziram o entendimento e o gerenciamento do coletivo dos corpos a partir de um investimento em instâncias reguladoras, sejam elas doutrinárias, estatísticas ou institucionais.
No ferramental esquizoanalítico, é o corpo intensivo vertendo para além da organicidade estabelecida, agenciando sempre a composição de novos territórios existenciais; é o corpo sem órgãos como plano produtivo, do estrato orgânico ao afetivo e ao intelectivo, os territórios existenciais constantemente forçados a diferir na violência e no transtorno das marcas intensivas, das intensidades corporais. Para Foucault, é o corpo que produz, no contato com um disperso e difuso jogo das forças, uma interpretação de si no mundo, interpretação essa que busca fornecer as condições para a produção de uma sociabilidade na qual ele poderá inscrever-se.
Em qualquer dos casos, é coincidente a opinião de que o pensamento – ou a episteme – surge para dar conta dos efeitos que se produzem entre os corpos na forma de intensidades afetivas (no primeiro caso) e efeitos de poder (no segundo caso). Michel Onfray (1995, 1999, 2001), na esteira de Friedrich Nietzsche, é ainda mais atroz e evidente acerca desta matéria dinâmica que seria o substrato da vida:
“O corpo já não é o obstáculo que separa o pensamento dele mesmo, aquilo que ele deve superar para conseguir pensar. É, ao contrário, aquilo em que ele mergulha ou deve mergulhar para alcançar o impensado, ou seja, a vida. Não é que o corpo pense, mas, obstinado, teimoso, ele força a pensar o que se furta ao pensamento, a vida. Já não se fará a vida comparecer diante das categorias do pensamento, lançar-se-á o pensamento nas categorias da vida. As categorias da vida são precisamente as atitudes do corpo, suas posturas. ‘Nem mesmo sabemos o que pode um corpo’: em seu sono, em sua embriaguez, em seus esforços e suas resistências. Pensar é aprender o que pode um corpo não-pensante, sua capacidade, suas atitudes ou posturas” (Onfray, 1999, p.96).
Falar de biopolítica é falar deste investimento que se faz sobre as categorias da vida, delimitando e demarcando tanto as posturas do corpo quanto as interpretações acerca da realidade; biopolíticas são as estratégias formuladas coletiva e extensivamente para dar conta da nossa inscrição no mundo. Quando falamos, a propósito do título deste projeto, de estratégias biopolíticas para uma ecologia da resistência, queremos apresentar a possibilidade de uma discussão que acompanhe este investimento sobre as categorias da vida, suas delimitações e demarcações, procurando extrair daí a formulação de uma ecologia que privilegie tanto o ser como potência quanto o real como processo.
Durante minha dissertação de mestrado, tive a oportunidade de propor que tanto o desenvolvimento da ecologia capitalista quanto o desenvolvimento da ecologia comunista, pelo menos enquanto tomaram forma durante o breve século XX, equivocaram-se no tratamento dado a esta fórmula proposta por Onfray. Sobrepondo estratégias unívocas sobre as categorias da vida, tanto a ecologia capitalista quanto a ecologia comunista provocaram uma amarração do corpo militante; promoveram dispositivos de captura e permanência que constantemente anestesiaram a imprevisibilidade necessária a uma ecologia da resistência. Tanto a doutrina de virtude capitalista quanto a doutrina de virtude comunista anestesiaram a potência dos corpos e a processualidade do real, anestesiaram uma ecologia de virtude resistente.
Parto do princípio de que um novo tipo de hegemonia materializa-se entre nossos corpos no espaço-tempo contemporâneo, precipitando a ascensão de uma nova configuração da ecologia produtiva global, a ordem mundial imperial. Império é o nome dado por Michael Hardt e Antonio Negri (2001) a uma nova e complexa articulação entre (1) mecanismos de um mercado global de capitais como ordem econômica mundial, (2) princípios de uma nova constituição de soberania supranacional como ordem política mundial, e (3) estratégias biopolíticas de controle dos corpos como seu modo intensivo e correspondente de corporificação. O Império é o novo modo hegemônico de gestão da vida; a ecologia imperial é a ecologia hegemônica no espaço-tempo contemporâneo.
Sobre o modo de corporificação inerente ao Império, cabe dizer que é a característica mais importante de todas as elencadas. Não é o caso de pensar que as demais características não sejam problemáticas. Esta última, em especial, é como a característica que fornece ao Império seu poder de legitimação, convocando sua autoridade e superestrutura desde os vasos mais capilares da sociedade, desde todos os pontos de onde se produz a própria vida.
É no campo da biopolítica que Negri e Hardt percebem o processo de intensificação dos aparelhos de captura na transição das sociedades disciplinares às sociedades de controle: ao passo que novos sistemas de comunicação, informação e espetáculo articulam-se, acompanhando o declínio das instituições que mediavam as relações sociais, as estratégias imperiais funcionam de forma cada vez mais disseminada e difusa entre o tecido social, acompanhando cada corpo imediatamente dado como alvo e ponto emissor destas estratégias massivas. Esta incidência das estratégias imperiais, uma incidência que funciona efetivamente no âmbito de cada corpo e em todos os momentos, toma a totalidade da vida em seu investimento; a produção imperial tem como principal produto a própria vida, em toda a sua extensão.
Michel Foucault (2002a, 2002b) já havia descoberto nesta instância biopolítica – material e imanente – o substrato que coloca a vida em movimento, acionando então o disparador do pensamento para uma produção ulterior de saberes e verdades, territórios existenciais a partir dos quais afirmamos nossa existência. Da disciplina ao controle, agora com Gilles Deleuze e Félix Guattari (s.d.), e também com Antonio Negri e Michael Hardt (2001), o que vemos é um processo de intensificação desta incidência do Império entre os corpos, gerando as mais variadas formas de anestesia dentro de diversificados e cada vez mais refinados circuitos de captura.
A reflexão sobre a biopolítica aparece, agora, como campo privilegiado. Torna-se cada vez mais necessária a reflexão sobre o corpo como a máquina a partir da qual a vida é posta em movimento, assim como a reflexão sobre como se inscrevem nesta instância os aparelhos de captura que obturam a potência do ser e a processualidade do real, incidindo na produção da vida de forma a bloquear a emergência de uma ecologia da resistência.
Guy Debord (1997) chamou esta ecologia que anestesia o corpo através de sistemas de simulação e estetização de Sociedade do Espetáculo, e podemos mesmo dizer que suas reflexões andam de par em par com as reflexões acerca da sociedade mundial de controle e o Império. Os corpos estão anestesiados em um constante produzir de rituais espetaculares e vazios, sociedade e política simuladas num decalque vazio do mundo.
Se o capitalismo imperial produz corpos modulados em um grande fluxo de inteligência massiva e sobrecodificada, em que medida e com quais estratégias as práticas militantes contra-hegemônicas conseguem ou conseguirão dar conta de uma subversão desta realidade? Pretende-se pensar a militância contra-hegemônica acreditando na possibilidade de um agenciamento voluntarioso das forças de resistência no sentido de diferir desta ecologia nefasta a partir de uma ativação do corpo político, aquele corpo cuja potência é capaz de agenciar outras formas de vida.
Como constatou Gilles Deleuze (1992), o novo arranjo das forças na forma de uma sociedade mundial de controle – o Império sem exterioridades, a sociedade do espetáculo – precipita nos mais diversos estratos da vida em sociedade severas e reiteradas crises generalizadas; é também a aptidão da militância que está em jogo, é também a militância como modo de vida que apresenta-se como dispositivo em crise.
Frente à crise, faz-se necessário problematizar a militância contra-hegemônica na tentativa de compor novas armas para um combate no presente. Frente à crise, faz-se necessário traçar cartografias das estratégias biopolíticas que emergem tanto de uma ecologia capitalista quanto de uma ecologia comunista, problematizando a relação que cada uma estabeleceu com as categorias da vida. Frente à crise, resgatar uma trajetória militante em contato não somente com as querelas do capital, mas também com outras estratégias capitalísticas de investimento sobre a vida. Frente à crise, tracejar caminhos que podem contribuir na formulação de uma pragmática militante que consiga privilegiar, escutar e dar vazão para o que efetivamente pode o corpo, dar vazão a uma ecologia de resistência ativa em um corpo perceptivo que busque, acima de tudo, afirmar material e imanentemente o ser como potência e o real como processo.
cartograma#87 - meio-fio
Meio-fio.
Meio-fino.
Teço.
Entreteço.
Entristeço.
Procuro o caminho do meio.
Caminho sobre o meio.
Fino, cambaleio sobre o fio.
Magro, permeio.
Esqueço e permaneço.
Meio-dia, o fio é de aço.
Meia-noite, fio de pedra, meio-espaço.
Calçada, calçado, cansaço.
Na ladeira, o fio é um rio.
Riacho.