À margem do racionalismo puro ou aplicado, território da Razão suficiente, existem janelas que permitem uma imersão no materialismo. Em diferentes ciências humanas, é cada vez mais comum o tema do corpo. Diferente do tema do corpo tecno-científico, objeto tomado como dogmático e previsível, falamos do corpo sensível que depõe contra a claustrofobia da Idéia como instância privilegiada; falamos de um corpo mergulhado no mundo que, ao invés de percebê-lo de fora, amputado ou secundário, dele participa radicalmente, que afeta e é afetado, dando movimento orgânico às sociedades, às ideologias e às subjetividades sobre os limiares de sua diferenciação biológica original. Diferente de um pensamento que toma o corpo como objeto tecno-científico, o materialismo está ligado à experiência sempre reaberta do corpo no mundo, ligando no corpo uma sensibilidade compartilhada e uma ideação coletiva, ligando no ser os estratos orgânicos, afetivos e subjetivos; o materialismo encontra neste corpo limítrofe, em vias de diferenciação, o ponto singular onde articula-se a complexa consistência individual da vida e seus funcionamentos. Um tal pensamento nos fará redimensionar antigos problemas, dentre eles os problemas que dizem respeito à política tradicional. Quando deixarmos de compreender a política como Governo das sociedades, traremos seu jogo de forças para o cotidiano, instância habitada pelo corpo em suas articulações. No cotidiano, numa intercessão com os problemas colocados por alguns cúmplices, vamos procurar uma nova dimensão para os nossos problemas políticos tradicionais: a partilha do sensível como parte da política; os dispositivos disciplinares de captura do corpo e os controlatos; o materialismo histórico e o materialismo hedonista; a mais-valia atuante no campo do desejo; a exterioridade numa psicologia das emoções; os paradoxos e vínculos nas múltiplas linguagens da comunicação; a articulação simétrica com as coisas; os corpos-sem-órgãos, os somas e os protomutantes; os ciborgues e os homens pós-orgânicos; a estética da escultura de si como apologia das rebeldias.
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