16.7.06

cartograma#18 - perspectiva

vem, ela dizia, tirando o lençol de cima do seu sexo, descuidada como só ela conseguia ser.
vem, e eu não ia. ficava observando a luz amarelada projetando sombras pálidas no quarto,
vem, escorado no batente da porta, sem o controle da situação, e ela, despretensiosa e sutil,
vem, no seu chamado, pedindo numa suplicante dor vazia. penso na fuga, tomar a distância.
vem, e a atmosfera das contradições é circulada pelo ventilador. na noite clara de verão, ela
vem...
e eu NÃO ia.
vem, ela dizia, parada à beira da cama desfeita. mandando, pecando, clamando. olho a luz e
vem, paro a repensar os meus pactos de honestidade, mutilados entre alguns minutos que só
vem, na conversação telefônica vazia de sentido, a jogar frases soltas no ar rarefeito, dizem
vem, eu não entendo, não quero, não gosto. ela manda, me quer perto, próximo, nela, então
vem, eu penso: não. e fico em silêncio, parado, observando o ridículo a nos cercar. todo dia
vem...
e eu NÃO vou.
vem, a cada dia, o seu suor, escorrendo pela testa, pelos seus cabelos, a molhar o corpo que
vem, é morbidamente preso à utopia fina, nutrindo, com imperfeição, a nossa vida solitária.
vem, não, de novo NÃO; há eras tem sido assim. nós, cegos, não acordamos pra ver quando
vem, eu morri. ela sabe, vê que não consigo, não posso. mas busca me prender, busca dizer
vem, brincando de sedução sem trazer à tona o que tem que ser trazido. todos sabem, vêem,
vem...
e eu NÃO quero.

[Seberi, data incerta]

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