canção. permanecia então de corpo nu jogado no grande e marrom pufe de couro amolecido, hipostasiado sob a luz amarelada da antiga luminária em cone do canto da sala do apartamento; de corpo deposto e relaxado de costas vértebras em arco, fumando um bom baseado que já ia na metade da fumaça chapa. o suor seco, líquidos secos antes do banho, terminava ainda meu último cálice de vinho tinto, seco. pela fresta entreaberta pra luz, porta do quarto, visão enrolada nos lençóis brancos de cabeça para baixo, observo teu corpo semidormindo sob a luz de cabeceira. moves tua silhueta bonita entre os lençóis brancos, respiras quieta. o volume branco das tuas ancas boas, outra dobra das tuas coxas, a ponta dos teus finos pés, tuas mãos pequenas, teus seios nuca pêlos teu ventre, fragmentos do teu corpo gostoso e seguro. fragmentos da tua pele toda que eu percorri em negrito. teu rosto, feições redondas meio tapadas por um tufo do cabelo cheiroso castanho ressona e expele sonho semidormindo. nu sobre o pufe de couro, refaço desenho e percorro teu corpo todo sob os lençóis brancos, estertores de uma noite amanhecendo, estafa de lua. sempre neste apartamento: cortinas e paredes verdes, o quarto de carpete felpudo, a cama especialmente limpa, os lençóis brancos sempre novos, o abajur vermelho com pantalha de lona, o grande lustre pendurado, arabescos em gesso, um grande espelho e aquela bizarra regalia sobre a cabeceira da cama, reprodução do beijo de K.; a sala com este grande e marrom pufe de couro amolecido hipostasiado sob a luz amarelada da antiga luminária em cone; o banheiro claro e a cozinha pequena. nas brechas da tua distância, teus bipes de telefone recibos no lixo do carro, teu tipo namorado noivo marido que viaja com freqüência e deixa seus resquícios, excesso de informação, ruído, esgotamento, perda de tempo. será ele com quem dormes? será ele que depende de ti nos outros quatorze dias? um carro discreto confortável, ar condicionado, o apartamento onde me levas reservada e sóbria, apartamento de nenhum armário, alguns livros, duas ou três caixas pequenas, um aparelho de som, dois ou três bons discos, pouca louça frutas e o necessário para enrolar um baseado. a coleção de cremes, óleos e incensos, sabores, cheiros e sensações diferentes que aplicas sobre o corpo antes e depois do banho. nunca mexi nestes teus esconderijos. qual trato vocês têm? não existem atos falhos neste apartamento. não existem atos falhos nos lençóis brancos. Catana, eu gosto quando logo na entrada do apartamento tu agarra e beija, e me come de um jeito vaginal, este teu amor de boceta. e também noutras vezes, quando ficas zanzando pelo apartamento em silêncio lentamente, descalça e de cabelos soltos, mexendo em coisas pequenas pelas prateleiras, olhando furtiva por trás das cortinas, este teu amor de novela. e quando nos purifica em um longo e cauteloso banho de mil litros, perfumando nossos corpos para alguma cerimônia daquele teu amor beato. quando vendas meus olhos e pedes que eu diga, ou quando vez por outra queres dançar ou queres que te veja dançar sozinha, quando te olhas no espelho ou nas tuas datas que não conheço. e também quando cozinhas tuas comidas apimentadas afrodisíacas e depois queres que eu te algeme amarre bata xingue sem deixar marcas. este teu amor de esposa, limite da pornografia. moramos juntos sobre tua cama e teu colchão, teu carpete felpudo e teu piso, teu chuveiro ou teu grande e marrom pufe de couro do canto da sala, onde gostas que te beije por horas te toque por horas de tua pele macia, teu sexo molhado que percorro e penetro em teu doce e cheiroso sabor. te vejo, Catana, olho teu corpo gostoso, dorso que corro e recorro de quinze em quinze dias. te encontro de quinze em quinze dias, há dois anos; nunca trocamos palavras. somente o básico necessário, as tarefas que devo cumprir na lista da nossa pequena austeridade. fecho a porta de baixo, deixo a chave dentro da caixa de correspondência, o dinheiro lá, conto. nunca mais nunca menos. minúcias que repetes na mesma ordem sempre enquanto espero paciente o selo -está combinado então. na primeira noite, sexta-feira, verão dois mil e três, paraste o carro, olhaste e perguntaste -quanto. combinamos na hora. perguntaste meu nome: -Jolacre. disseste teu nome depois de um ano: -Catana. não sabes minha idade e não sei a tua. procedência ou destino. nunca nos encontramos na cidade. nosso caso completamente sem perguntas, eis como deve ser -silêncio. gosto quando vez por outra fazes como eu e enrolas um baseado, ficas nua com teu corpo arqueado de costas sobre o grande marrom pufe de couro do canto da sala e fumas me olhando na semiluz amarelada da antiga luminária em cone da tua curiosidade mais ostensiva e de teu olhar mais agudo adivinhando mais que meu corpo no silêncio de um pedido de tira a roupa agora. nunca sumiste, desististe ou voltaste atrás. nosso caso sem perguntas termina sempre com teu espasmo. e então finges assim semidormir suja para me mandar embora de teus porquês. Catana, gosto de trepar contigo, e só gosto de me apaixonar por ti de novo a cada vez. se fico aqui ainda um tempo, assim estirado sobre o pufe de couro do canto da sala e respirando ainda teu corpo neste baseado que enrolo e fumo para teus caprichos de Catana, não tenhas medo, linda, é somente porque toda mulher tem seus caprichos. quando já é hora de partir, visto minha roupa -calça jeans camiseta jaqueta botinas- confiro minhas coisas -grana chave documento pó fumo ve-tês- e volto para a avenida levando o teu cheiro e o teu nojo como escudo. não ando armado. o cu também é parte do meu serviço. até daqui a quinze dias outros quinhentos, canção de Catana...................catana e seus horrores, quando se olha no espelho da lâmina. Não, catana e seus rancores. catana e seus amores, quando perde o passo na dança. seus golpes e estertores. catana e suas flores, seus controles; suas dores, funerais e odores.
-virada de ano solo em 2003-2004, Jolacre.
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